Por: Manuela Rainho
A
rúbrica de opinião “Entre Aspas” abre com a poetisa Isabel Seixas. E por que
razão?
Primeiro porque penso que uma abordagem literária à produção regional deveria iniciar-se pelo género lírico quanto mais não seja por uma questão de homenagem ao
grande poeta nacional que foi Miguel Torga. Por outro lado, do que me apercebi,
há
um grande número de autores femininos neste género, logo como a primazia, manda a regra do
cavalheirismo, deve ser dada às senhoras… É por uma poetisa que inicio esta
incursão pela literatura que se produz no nosso rincão transmontano.
Enunciadas as razões que levaram a esta
escolha, passemos à apresentação da autora e da sua obra. Isabel Seixas tem
formação académica e científica ligada à área da Enfermagem com especializações
ligadas à reabilitação, psiquiatria e saúde mental. Para além de exercer a sua
profissão de enfermeira, facto que se reflecte directa e indirectamente na sua
obra poética, foi também professora da Escola Superior de Enfermagem de Chaves.
A autora publicou três obras de poesia: Resquícios
de Luz, de 2005; Espaço de Ilusão,
de 2007 e Chaves… Musa Inspiradora,
de 2008.
Abordemos o seu primeiro livro. É uma
colectânea de poemas cujo fio condutor e integrador é a síntese das suas
experiências enquanto enfermeira, isto é, alguém que lida de perto com
situações limite em que o ser humano é confrontado com a fragilidade e
imperfeição. Resquícios de Luz é
ainda uma obra que espelha a atitude de alguém marcado por enorme humanismo,
dignidade e respeito pelo próximo. Poemas como Mãe Menina (pp. 18),
“Mãe menina, menina mãe/ Tu que dás teu colo/
Para dar consolo/ Precisas também/ De um colo de alguém.”
traduzem em poema a compaixão no feminino a
solidariedade de género da autora relativamente a alguém que através dos meandros
retorcidos da vida se viu obrigado a crescer demasiado depressa. O poema Insónia retrata as noites de vigília do
enfermeiro que trabalha por turnos visto que a doença não funciona em horário
normal…
“Novamente a escuridão/ Pensamentos como breu/
Dormir derradeira solução.”
Neste
livro temos ainda a presença inesperada do poeta enquanto tal. Um texto exemplificativo
dessa vertente da autora, tem como título, Preciso
de um Poema, assim como se a necessidade fosse incontrolável. Sabe quando o
dependente diz, «preciso urgentemente de
um café»? Assim a autora sente uma necessidade física de escrever um poema
que funcione como «analgésico» e a
catapulte para fora dessa realidade cruel e dura com que é confrontada
reiteradamente. Julgo que essa necessidade de refúgio na escrita por parte de
Isabel Seixas espelha uma sensibilidade que por força das circunstâncias
quotidianas tem de afogar constantemente e só o consegue sublimar essa
frustração perante a dor e o sofrimento através da criação poética. Se puder,
leia o livro. Não lhe asseguro que todos os poemas são excepcionais, não. No
entanto, há imensos que reflectem de forma inquestionável uma escritora dotada
de grande sensibilidade e criatividade. Um ser capaz de transfigurar a
realidade crua e feia. Alguém que sabe tirar de cada momento o seu lado mais
luminoso, ainda que esses momentos sejam apenas «resquícios».
Por sua vez, a colectânea Espaço de Ilusão parece ser a mais
conseguida. Toda a obra reflecte não apenas a realidade profissional da autora
mas sim a sublimação de todo o seu percurso enquanto pessoa.
“O espaço de ilusão é o espaço da paisagem da
nossa mente que recriamos para manter o alento durante o percurso nos processos
de vida mesmo quando se desencadeiam perdas sistemáticas que nos fazem esmorecer.”
– Isabel Seixas
É frequente nos poemas desta colectânea a
presença de um «tu» ausente mas presente para a poetisa com quem ela estabelece
monólogos dialogantes. Relativamente a esse «tu», há por parte da autora uma
entrega vigilante, uma interpretação das reacções do outro, inerentes à alma
feminina. É precisamente essa escrita no feminino que me atrai neste livro de
Isabel Seixas. A forma digna e despudorada com que deixa transparecer estados
de alma, emoções; a forma sensível e notável como expõe sentimentos e emoções
que vivencia e/ou vivenciou, traduzem uma nobreza de carácter clara, cintilante
e esplendorosa. Não há neste livro pretensões «intelectualóides» nem tiques de
erudição balofa, mas sim um despojamento da alma de quem escreve que nos toca e
sensibiliza. Um livro a ler e a reler.
Relativamente ao terceiro livro da autora, Chaves… Musa Inspiradora, a marca que me
pareceu mais evidente foi a necessidade da intertextualidade. Do que pude
depreender da sua leitura, a autora sentiu a necessidade premente de partilhar
a sua paixão com todos os que se consideram flavienses e que com ela
compartilham esse amor inequívoco pela bela cidade de Chaves. Pode ser uma
questão de gosto, não sei, pode ser por a autora ter aceitado tacitamente todas
as participações, mas creio que esta colectânea é a menos conseguida
essencialmente em termos literários. O tema aglutinador é obviamente a cidade
de Chaves. No entanto, há como que uma explosão de abordagens e perspectivas
onde a ausência de critério aglutinador induz a uma profusão caótica de visões
que me parecem pouco conseguidas. No entanto esta é uma visão, falível e
discutível, como deve inferir. A parte do livro onde predominam os textos da
escritora já tem uma orientação focalizada num percurso que a escritora enceta
através da cidade e que nos vai descrevendo a partir da sua mundividência
exclusiva e única. Os textos são prosa poética com qualidade. Isabel Seixas, a
poetisa, dá-nos a sua visão pessoal que reflecte todo um conjunto de
experiências e recordações singulares, raras e gratificantes para cada um de
nós, conhecedores daqueles espaços físicos que se tornaram por força das
vivências experienciadas espaços de emoção.
Pelo que foi referido, qualquer um dos livros
publicados pela autora devem ser lidos por nós, transmontanos e não só. Eles
reflectem uma perspectiva, a da autora, onde cada um de nós, de uma forma ou de
outra se vê retratado. Afinal o que é a literatura senão isso mesmo: Uma visão
singular onde cada qual espelha a sua própria percepção do mundo?
