Por: Rúben Sevivas
Em
busca de Trás-Os-Montes pelo cinema português
O
cinema português, em história, é apenas 1 ano mais novo que a invenção do
cinematógrafo dos irmãos Lumière. Contudo, estes 119 anos de cinema português
não são um espelho de modelo industrial contínuo e rentável, nem tão pouco um
exemplo de amizade duradoura com os seus espectadores. Na verdade, são poucos
os filmes portugueses conhecidos e apreciados pelos portugueses. A história encarregar-se-á
de o mostrar; a mim, cabe-me estreitar a distância entre o cinema português e o
leitor.
Sendo
assim, levanto a seguintes questão: qual de vós, que lê estas palavras, viu
mais que 10 filmes portugueses? Atrevo-me a responder que serão muito poucos.
Diversos fatores estarão em cima da mesa: fraca distribuição; desprezo pelo
cinema português; poucos recursos que, irrevogavelmente, sacrificam a qualidade
técnica, mas não artística, dos filmes; etc… Enfim, um punhado de situações e
circunstâncias que se poderiam debater. Contudo, e deixem já esclarecer que,
por mais que se tenha tentado, o cinema português é frequentemente feito para
apreciadores e não tanto para consumidores, o sentido artístico do cinema
português é de alta qualidade e com variado interesse para quem a ele se dedica
e estuda.
E,
neste caso português, encontramos diversas referências a Trás-Os-Montes: seja pelas
paisagens, pelos costumes ou até pelos contos e lendas - Sabiam que um dos
principais filmes da filmografia nacional foi filmado em Curalha, Chaves, pelo
nada mais, nada menos, Manoel de Oliveira?
Por
tudo isto, vou atrever-me falar e comentar alguns filmes que me parecem mais
significativos desse propósito. Ainda que seja difícil ao leitor aceder à
maioria dos mesmos, em boa qualidade, contento-me com a ideia de ter
conhecimento da sua existência.
Trás-Os-Montes
(1976)
António Reis e Margarida Martins Cordeiro
É verdade, existe um filme
que se chama Trás-Os-Montes! Pelo nome, sabemos, a priori, o que retratará: os que por cá do Marão residem. Contudo,
esclarecendo desde já a questão, o filme foi muito mal recebido pelas gentes
que retrata e ainda hoje gera polémica.
O filme foi rodado entre
1974 e 1975 entre Bragança e Miranda do Douro. É uma das primeiras docuficções
nacionais e, apesar da receção nortenha, teve imenso apreço por parte do
restante público cinéfilo nacional e internacional, tendo saído artigos na
revista Cahiers du Cinéma e no jornal
Le Monde, por exemplo.
O filme é uma experiência
de evocação de memórias e de gentes. Transporta em si a resistência ancestral
que caracteriza Trás-Os-Montes e, acarreta, por isso mesmo, uma espécie de
sonho inatingível que poderá parecer pejorativo. Como se o espectador fosse
Fernando Pessoa que contempla um Alberto Caeiro que nunca será, se me permitem
a comparação.
Não é um filme com intenções objetivamente etnográficas, é antes uma exploração artística com
pretensão vincada e com propósitos certos. Deve entender-se a obra, assim
mesmo, como obra cinematográfica que decompõe uma realidade qualquer de modo a
fortificar uma realidade fílmica e artística distinta. As gentes, as paisagens
e as ações são as mesmas, todavia, o cinema permite-se pensar o que filma e,
como arte humana, não espelha uma realidade, mas a visão de quem a constrói.
Num universo onírico,
propositadamente encenado, que contrasta com a realidade das gentes, deixa
transparecer uma pureza terrestre, que renasce através das estações e
transmite uma sensação de perda e de ausência que nos asfixia quase pelo final
do filme. Um filme que chama, grita, pelo seu pai. Por uma figura paternal
ausente que deixou uma qualquer semente para trás agora árvore adulta.
“Não fica ninguém!” - diz
a senhora de ar apático perto do final do filme - “ontem, foi-se embora a filha
da Mariana. Amanha, quem será?”. Bem sei que é ilusão cinematográfica, mas que
seja! Para mim, era 1975 na tela, contudo, o sentimento de perda era de 2015 e
ainda dele não consegui sair.
Nas palavras de António
Reis e Margarida Martins Cordeiro:
“O cinema que fazemos é também uma experiência
individual; construímo-lo, sem dúvida, a partir de nossa viagem interior. Ele
destina-se à comunidade, sim, mas nós cremos que se faz tanto mais para a
comunidade quanto mais se é radicalmente individual – é esse o percurso próprio
da arte.”



