Transmontanos Pelo Mundo




Por: Ana Xavier



Ana Xavier
25 Anos
Londres | Reino Unido
Fotografia | Ana Xavier

Acabei em Londres por mero acaso: a minha melhor amiga ia para lá estudar ilustração e convenceu-me a juntar-me a ela; já tinha visitado Londres antes mas nunca me tinha passado pela cabeça ir para lá viver.


Depois de terminar a minha licenciatura em Ciências da Comunicação, ter estagiado na extinta Rádio Clube Português e Regiões TV, e ter trabalhado durante quase um ano na Rádio Larouco como jornalista e locutora senti que precisava de uma formação mais específica em rádio, e que sítio seria o melhor para aprender do que o Reino Unido? Acabei por escolher o curso de Advanced Radio Production da escola de produção musical Point Blank em Shoreditch pelos cursos serem para grupos pequenos e em part-time, o que me permitia trabalhar também em part-time, abater os gastos (que só em renda e transportes rondam as cerca de £500/600!) e claro, tirar o pó ao inglês mais rapidamente!
Trabalhar em média em Londres é muito, muito difícil, afinal de contas, o mundo inteiro quer trabalhar na “capital da Europa” e tal como em todos os países, as redacções ainda são muito jovens. Notei que existe uma maior mobilidade de emprego no mercado inglês do que no português e a progressão profissional é também muito mais veloz: se estás na mesma função numa empresa durante mais do que um ano toda a gente começa a inquirir o porquê, porque é suposto estares constantemente à procura do próximo desafio!

Neste momento divido a minha semana a trabalhar em marketing digital e em rádio: ser freelancer permite-me uma grande liberdade na forma como organizo o meu tempo entre projectos; para além disso, consigo aproveitar a cidade de outra forma por ter um horário mais livre. Quanto ao trabalho em rádio, há já dois anos que faço um programa sobre cultura e artes no este de Londres chamado EastCast show. Inicialmente apenas queria fazer a produção mas gradualmente envolvi-me mais com a parte da locução e desde então já vão mais de dois anos de programa! Descobri projectos muito interessantes: o “Museu das Curiosidades” que é um museu alternativo que inclui ossos de Dodó, uma escultura feita de pó e arte erótica japonesa; “O grupo das Cassarolas”, um projecto intergeracional e intercultural que junta jovens de Tower Hamlets com residentes idosos para partilharem histórias da área e “Guerilla Science”, um projecto que pretende trazer o conhecimento e a ciência à praça pública através de iniciativas arrojadas como um “Banquete de cérebros” ou exposições sobre sons do cérebro. Pelo caminho também fizemos várias emissões em directo de locais como o mercado de “Chrisp St”, o primeiro mercado pedestre a ser construído em Londres depois da reconstrução da cidade após a II Guerra Mundial; ou a emissão da “Narrow Way” com os residentes de Hackney para um projecto conjunto com o Museu de Hackney.

Uma coisa fantástica que existe no Reino Unido é rádio para hospitais: isso mesmo, uma rádio que é emitida dentro do próprio hospital, unicamente para o hospital, ou melhor dizendo, para os utentes que estão internados durante longos períodos de tempo. Estas rádios são geridas e compostas unicamente por voluntários que se dividem por grupos: uns são responsáveis pela locução dos programas, outros percorrem as camas do hospital numa espécie de "discos pedidos", onde aproveitam para trocar "dois dedos de conversa" com quem se sinta mais solitário ou simplesmente para ficar a saber a história por trás do próprio pedido!
Pessoalmente sempre me interessou mais estar envolvida com rádios comunitárias, porque existe maior liberdade criativa para fazer os programas ou entrevistas.
Também trabalho para a Dame Kelly Holmes Trust, uma fundação que faz um trabalho incrível: ajuda atletas de alta competição a fazer a transição para a vida pós-competição profissional e através deles, inspira jovens a encontrarem um rumo na vida: seja re-matricularem-se na escola, encontrarem emprego ou inscreverem-se em formações profissionais. O meu trabalho passa um pouco por todos os departamentos porque estou encarregada da estratégia das redes sociais, design de documentos oficiais, packs informativos e também de criar/editar case studies dos jovens/atletas.
Acasos:
Algo a que não damos muito valor em Portugal e que aprecio imenso em Londres é a espontaneidade de encontrar alguém conhecido na rua, num contexto (por norma sempre) improvável - bom, o facto de numa cidade só haverem tantos habitantes como em Portugal inteiro torna tudo já por si bastante improvável! Enquanto escrevo este texto estou a caminho de Portugal para passar o Natal com a minha família e no mesmo vôo encontrei dois amigos de amigos por mero acaso, também eles prontíssimos para desfrutar da comida transmontana!
No último ano notei um aumento enorme do número de portugueses a viver em Londres, principalmente no este, onde sempre morei. É curioso perceber que áreas como Hackney, Shoreditch, Dalston, Bethnal Green e Clapham que já por si são bastante multiculturais, têm-se tornado num grande pólo de tugas (e para ser sincera, de Londres inteira, já que nos últimos cinco anos se tornou muito cool viver no este).
O encanto desta cidade é sem dúvida a capacidade que tem de se auto-renovar e de se modificar constantemente e é isso que faz com que a frase de Samuel Johnson continue a fazer sempre sentido: “When a man is tired of London, he is tired of life; for there is in London all that life can afford”. O encanto dela é também a forma como nos muda e marca, só tens é que deixar.