Os Poderes Imateriais


Por: Ernesto Areias
Quando falamos em poder ou poderes vem-nos sempre à ideia o poder político exercido das mais variadas formas entre a democracia e a tirania, o poder dos grandes exércitos e, mais recentemente, com particular ênfase, o poder do dinheiro, designadamente do capital financeiro e dos seus mentores e lacaios.


Não é desses poderes que irei falar mas sim dos poderes imateriais que, poderemos também designar por poderes espirituais. Nesses poderes incluo as religiões, muitas vezes, donas do pensamento e da consciência dos cidadãos condicionando a sua mundividência; do poder da imprensa e das instituições universitárias. A estes poderes acrescento o da língua e, correlativamente, o da literatura sem excluir as artes plásticas, o teatro, o cinema e outras formas de manifestação cultural e artística.
Os pilares mais robustos e fundamentais da soberania de qualquer país são a sua história, a língua e memória a que junto a identidade e a literatura; tudo isto bem mais importante do que o poder do dinheiro e de todos os exércitos.
Assistimos hoje às terríveis consequências do fundamentalismo islâmico cuja base assenta numa hermenêutica próxima da literalidade e do enviesamento interpretativo do Corão tendo como consequência o terrorismo que tem vindo a condicionar de forma indelével a civilização ocidental. Como vemos é este poder imaterial a condicionar a vida de numerosas nações colocando em causa o seu bem-estar e segurança.
Num plano benfazejo também o poder da língua e da literatura e de todas a outras manifestações de pensamento e arte a que fiz referência são fundamentais.
Todos sabemos dizer quem foi Sócrates, Platão e Aristóteles mas poucos saberão as motivações da guerra do Peloponeso ou das guerras Púnicas. Todos sabemos quem foram Miguel Ângelo, Rafael ou Leonardo da Vinci mas, por certo, não alinharíamos de memória como se dividiam as repúblicas italianas. Há mais cidadãos que conhecem a Gioconda do que todos os reis de Itália.
Entre nós seremos em maior número os que conhecemos Camões, Pessoa ou Saramago do que os que conhecem o tratado de Alcanices que definiu as fronteiras de Portugal no século XIII ou de todos os políticos que enxameiam de mediocridade os canais de televisão.
Daqui a cem anos ninguém saberá o nome de nenhum dos gurus do capital financeiro, mas todos saberão, por certo, quem foi o papa Francisco que na simplicidade das suas palavras é ouvido e amado por milhões de cidadãos em todo o mundo.
Foi maior o legado dos filósofos gregos que continuam a ser estudados do que o de todos os reis de Esparta, a cidade militar, ou de Atenas.
O mesmo sucede com os poderes da investigação científica. O mundo viveria muito mal sem os antibióticos como também não seria o mesmo se não tivesse chegado até nós a Odisseia de Homero, a Poética de Aristóteles ou a República de Platão.
Afinal, são os poderes imateriais o grande sustentáculo das mudanças. O mundo não muda por decreto mas antes pelo poder das ideias.