Entrevista a José Leon Machado


Por: Manuela Rainho


Sexta-feira, fim de tarde. Encontro marcado num café bem conhecido. Pontual, o escritor chega. O pessoal da fotografia também. Movimento intenso no café. Optámos pela Biblioteca Municipal. Começa a conversa com José Leon Machado. Homem do norte, simpático, acessível, senhor de um entusiasmo contagiante. Deixa-se fotografar, enquanto me preparo para a amena conversa que temos.
Momento de conversa informal que antecede a entrevista, falámos na crónica que escrevi para a revista e por essa via chegámos a um conhecimento agradável. Dessa conversa destaco a autodefinição que reputo pertinente: «Mais do que romancista, sou poeta, embora não escreva muita poesia.»




Manuela Rainho: Para si, o que representa escrever?
José Leon Machado: Escrever é difícil. Já uma vez tinha dito isso ao Semanário Transmontano. Passo semanas, meses sem escrever. Não é uma necessidade como muitos têm. Escrevo quando me apetece, quando gosto, quando quero dizer alguma coisa de novo; não escrevo por necessidade. Acho mais divertido fazer outras coisas: ler é muito mais divertido do que escrever. Quando preciso de escrever, é no sentido de dar a conhecer alguma coisa. Daí a escrita ser importante do ponto de vista da comunicação com o outro. Vejo a escrita não como um intimismo, uma necessidade de eu me espairecer no papel, como alguns escritores, mas antes como uma forma de comunicar algo para alguém ler. Não estou a pensar em determinado perfil de leitor específico. Mas escrever pressupõe comunicar com alguém.

M.R.: Considera-se um ser criativo? Como se processa esse processo criativo?
J.L.M.: Tenho outro irmão e sempre fomos muito criativos os dois, desde miúdos. Como partilhávamos o quarto, entretínhamo-nos a inventar histórias. O curioso é que neste momento ambos escrevemos. Ele já tem quatro ou cinco livros publicados, é um indivíduo muito imaginativo. Embora não me considere tão imaginativo como ele, de certa forma também sou bastante criativo. A criatividade tem a ver não só com questões genéticas, mas com o ambiente familiar em que crescemos. A minha mãe, por exemplo, sempre nos contou histórias, bem como a minha avó materna. Portanto vivi a infância rodeado de histórias e livros. A criatividade tem de se cultivar; por isso a educação e a envolvência ajudaram muito na minha criatividade.

M.R.: Existe uma crise de identidade cultural transmontana? De que forma ela se manifesta na sua obra?
J.L.M.: Conheci Trás-os-Montes há vinte e tal anos e só posso falar do que vi a partir daí. Em relação aos últimos anos, têm-se notado muitas mudanças e nem sempre para melhor. Quando vim para cá, creio que as pessoas eram mais simpáticas, mais acolhedoras. Ao longo do tempo verifiquei que se perderam alguns valores que seriam próprios da sociedade transmontana. Nesse aspecto, talvez a identidade transmontana esteja a diluir-se com o envelhecimento da população, com a saída dos jovens que não regressam. Não tenho uma visão muito concreta dessa identidade, mas se há uma crise de identidade nacional, a transmontana é um reflexo da outra. No Brasil, por exemplo, a crise económica é combatida com a união das pessoas e a entreajuda. Aqui acontece o contrário: as pessoas tornaram-se mais egoístas. Provavelmente essa crise de identidade cultural pode ser uma consequência daquilo por que estamos a passar.


M.R.: Enquanto pessoa de cultura que vive na era da globalização, de que forma ser do Norte/Transmontano o condiciona e/ou integra?
J.L.M.: Eu viajei muito, graças ao facto de ser professor universitário, por causa dos congressos; quanto mais viajo, mais gosto da minha terra. A minha terra é o Norte, digamos assim, do Douro para cima. E quanto mais viajo por outros países, mais gosto do Norte. Identifico-me com a paisagem e não tanto com a forma de ser das pessoas, pois até certo ponto sou um estrangeirado, porque não tive uma educação convencional como a maioria dos da minha idade. Com 21 anos, por exemplo, fui à França, convivi com os franceses. Isso foi uma forma de libertar os fantasmas, as obsessões. Era jovem e fez-me muito bem. Sou um estrangeirado que gosta do local onde nasceu: o Norte, Minho e Trás-os-Montes. Dou-me cada vez melhor nesta região portuguesa e não me identifico com as restantes regiões do país. Os meus romances, a maior parte deles, têm personagens minhotas e transmontanas.




M.R.: Como definiria José Leon Machado enquanto pessoa de cultura e de escrita?
J.L.M.: Mais do que ser escritor, devemos ser leitores. O leitor é uma pessoa de cultura. Para se ser uma pessoa culta é necessário ser bom leitor. Consequentemente, para se ser bom escritor deve-se ser bom leitor. Talvez seja por isso que gosto mais de ler do que qualquer outra atividade intelectual. É sobretudo lendo que nos cultivamos. Claro que viajar, ver arte também é importante. Uma pessoa de cultura é alguém que está atenta àquilo que a rodeia e não adormece com o canto da cigarra: a propaganda política e a manipulação pela publicidade. Quem tem cultura dificilmente se deixa manipular.


Sem comentários :

Enviar um comentário