Por: Marta da Costa
O Teatro Experimental
Flaviense (TEF) celebra 35 anos. “O sonho comanda a vida” e, neste caso, o
sonho dá alento à cooperativa que continua a exercer a sua força no panorama
cultural da cidade de Chaves.
Um sonho com 35 anos
Cerca de 20 fundadores são responsáveis pela criação da
cooperativa cultural – Teatro Experimental Flaviense (TEF). O sonho nasce a 20
de Janeiro de 1980, num tempo bastante diferente daquele que vivemos hoje.
Rufino Martins, atual diretor do TEF, conta que “as pessoas eram generosas e tentavam
dedicar-se à cultura e contribuir quer seja através da criação de associações,
quer seja mesmo no dia-a-dia”. O Teatro Experimental Flaviense não foge à regra
e encontra no teatro d’Os Canários a sua
inspiração. Este grupo, que se dedicava ao teatro, funcionava também
como referência para a comunidade flaviense apreciadora das artes cénicas.
Tal como o grupo Os
Canários, também outras pessoas se dedicavam ao teatro e procuravam passar
essa paixão a outros flavienses. Rufino Martins recorda o conhecido professor
José Henriques, que dava algumas noções de teatro num salão da Rua Direita, em
Chaves, salientando que “isso tudo deu origem a que muitas pessoas ficassem
ainda mais permeáveis ao teatro e tentassem construir grupos”.
Com o cessar de atividades do grupo Os Canários, a população flaviense amante de teatro une-se ao TEF,
o que deu mais ânimo aos fundadores para a oficialização do grupo enquanto cooperativa.
Rufino Martins não assumiu o papel de Diretor logo desde o
início, mas, graças aos seus conhecimentos de constituição de associações, deu
o seu contributo para a criação da cooperativa. Em 1980 dá-se a formação
oficial, passando o TEF a trabalhar de forma mais organizada e séria. Tornou-se
Centro de Cultura e Desporto (CCD) da Fundação INATEL, o que permitia ao TEF
percorrer os restantes centros do distrito de Vila Real.
A riqueza dos melhores
mestres
Os 35 anos vividos pelo TEF foram preenchidos não só por
altos e baixos. Ainda assim, estes anos de vida foram preenchidos por muita
aprendizagem, que permitiu ao TEF manter-se em atividade até aos dias de hoje.
O balanço que Rufino Martins faz deste período é positivo, pois “se
continuávamos o grupo de amigos que gostava de teatro e fazíamos as coisas por
nós próprios, não sei se o TEF já existiria”.
A riqueza dos ensinamentos proveio logo do primeiro mestre
que, simpatizando com o grupo de fundadores, aceitou colaborar com o TEF e
transmitir ensinamentos teóricos e práticos. O mestre em questão é Bento
Martins, do qual Rufino Martins recorda com carinho um episódio em que
apresentaram uma peça à noite, sendo que no início da tarde tinham saído para
se divertirem: “Eu lembro-me de que uma vez fomos fazer um espetáculo, em que
no final ele nos chamou e disse: «Este espetáculo correu muito mal». Fizemos o
espetáculo à noite, muitos não deram o melhor e ele no fim foi muito severo: «O teatro é uma coisa séria, há que ter
cuidado e planear as saídas e cumprir da melhor forma com o dever que
possuímos». Esta foi uma aprendizagem que de facto foi muito importante para
nós.”
Bento Martins marcou de tal modo o Teatro Experimental
Flaviense, que, em sua homenagem e por decisão unânime da direção, foi dado o
seu nome à atual sede do TEF – Cine-Teatro Bento Martins. Recentemente o grupo foi
a Carnide, de onde Bento Martins pertencia, apresentar o último espetáculo
encenado pelo mestre. Rufino Martins realça o facto de que “as palmas foram
elucidativas da qualidade do espetáculo, da amizade que as pessoas de lá têm
por nós e nós por elas, e do recordar dos bons momentos que tivemos com o
Bento”.
Ao longo destes 35 anos, outros mestres passaram também pelo
TEF, tal como Geovanno, um mestre belga que trouxe uma nova perspetiva à visão
ainda hermética que os atores tinham em relação ao teatro. Lançou o desafio e o
TEF apresentou, com a sua ajuda, um espetáculo montado a partir de artigos de
jornal.
O último grande mestre que pisou o palco do Teatro
Experimental Flaviense foi Ruy de Matos, que veio do Teatro Nacional D. Maria.
O atual diretor do TEF realça os seus vastos conhecimentos teóricos e práticos
e a dedicação que depositava em cada espetáculo: “quando chegava a Chaves, nos
primeiros dias, o trabalho dele era correr todas as lojas para saber os tecidos
que havia lá e o que se podia fazer com eles. Depois corria as lojas para
adereços para ver o que era possível usarmos nas peças. Ele era incansável”.
Rufino Martins admite que Ruy de Matos trouxe um outro tipo de ensinamentos,
voltados sobretudo para a área da produção, na altura mais apropriada. Ainda
assim, confessa que em alguns momentos a aprendizagem foi para ambas as partes:
“ele (Ruy de Matos) quando montou a primeira peça, foi uma peça monstra: os
cenários eram monstros; e, como somos um grupo que usa a itinerância e sai de
vez me quando com os espetáculos, o que aconteceu é que os cenários não cabiam
na carrinha. Então tivemos de estar até às tantas da madrugada a corta-los ao
meio, a encaixa-los uns nos outros, para a primeira saída com esse espetáculo”.
Esta aprendizagem adquirida foi também complementada com
formações dadas por algumas figuras de renome nacional, que a equipa do Teatro
Experimental Flaviense obteve e que procura transmitir agora para as novas
gerações que querem experimentar o universo do teatro. O trabalho do TEF
reflete-se na forma como a população de Chaves encara os espetáculos a que
assiste. Como afirma Rufino Martins, “já
há muitas pessoas na cidade de Chaves que sabem ver teatro com olhos de ver e
não ver por ver. E acho que aí é bom sinal para nós, para a cidade e para a
região”.
Quando a ficção se confunde
com a realidade
Escolher uma única peça que marque o percurso destes 35 anos
de vida do Teatro Experimental Flaviense não é tarefa fácil. No entanto, Rufino
Martins destaca um projeto que afetivamente se revelou muito marcante – Terra Firme, de Miguel Torga – porque transmitia
a mensagem de que as gerações passam, mas a terra
permanece. Era uma realidade muito presente na altura e, tal como ressalta
Rufino Martins, é algo que atualmente também vemos através do abandono das
aldeias e da emigração dos jovens. Rufino conta um episódio em que “um senhor pediu para ir no final ao palco
com o ator que fazia o tal Pai que andava desgostoso, abraçou-se a ele, e não
conseguiu dizer uma palavra, tal era a emoção. Aquilo tocou-nos e marcou-nos um
bocado”.
Para além de Terra
Firme, outras peças ficaram na memória do TEF, mas Rufino Martins salienta
o facto de já terem no repertório peças no mesmo patamar de qualidade que
aquelas encenadas por Bento Martins ou Ruy de Matos. O diretor destaca o
recente projeto Teatro Às Três Pancadas,
uma obra de António Torrado, “que é um trabalho que está com imaginação, que
consegue transmitir o que o António Torrado queria, e que tem sido bastante
apreciado”.
O futuro
As atividades do Teatro Experimental Flaviense vão muito além do teatro. No leque de ofertas encontram-se outras atividades que surgiram com o intuito de colmatar as carências culturais da região. A oferta cinematográfica é uma delas e é com orgulho que Rufino Martins chama a atenção para o facto de “a melhor máquina de cinema, de 35 mm, instalada na cidade de Chaves foi a nossa, que agora é a máquina que está desatualizada e que necessita de ser substituída pelo digital”. Mas o acompanhar da tecnologia implica gastos e investimentos, o que exige uma enorme maleabilidade nas contas do TEF. Rufino ainda sonha com uma máquina de cinema digital capaz de satisfazer a população flaviense. Apresentou uma candidatura ao programa de apoios da Gulbenkian, mas tal foi recusado pelo facto de o TEF ser uma cooperativa. “A gente não se poupa a esforços!”, afirma convictamente Rufino Martins, que conta ainda a forma como conseguem fazer investimentos e obter algum lucro das suas atividades: “diversificamos as atividades: fazemos espetáculos de teatro, projetamos cinema, alugamos guarda-roupa, alugamos o espaço,... Por outro lado fazemos também contratos para realização de atividades para entidades. E é aí que de facto a gente consegue manter-se”.
Os aparentes pequenos passos que o Teatro Experimental
Flaviense dá não significam que não dispõem de equipamento de qualidade. “Todos os grupos que vêm aí, amadores e
profissionais”, conta Rufino Martins, “dizem
que o sonho deles era ter um espaço como o que nós temos, adaptado e preparado
como temos, com a acústica que tem, e as condições técnicas que tem. Isso
enche-nos de orgulho e nós sabemos que de facto, no país, há alguns espaços
muito bons mas são fundamentalmente em zonas de grandes cidades”.
No que toca aos próximos 35 anos, a vontade do Teatro
Experimental Flaviense é só uma: “atrair mais pessoas para o teatro”. A adesão
da população aos espetáculos é a principal forma de sobrevivência desta casa
que há 35 anos tem tido um papel ativo no panorama cultural da cidade de
Chaves, uma casa que soube adaptar-se aos tempos e que tem contrariado a infeliz
realidade das regiões do interior norte de Portugal.
Os sonhos continuam. Parabéns ao Teatro Experimental Flaviense!









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