O Peso da Arquitetura #8

Por: Tânia Santos


Obra | Museu das Termas Romanas
Arquiteto | Cândido Lopes + Nicolau Lopes, Arquitetos, Lda.
Projeto | 2014 -


Chaves recebe uma obra há muito aguardada pela população. Desde 2006, aquando da descoberta das ruínas do complexo balnear romano, que a Praça do Tribunal se transformou num verdadeiro campo de investigação arqueológica. Apesar dos transtornos criados, desses trabalhos arqueológicos resultaram vestígios tão raros e monumentais, ao ponto de justificarem, em 2012, que as Termas Medicinais Romanas de Chaves recebessem a classificação de Monumento Nacional.



Uma vez concluído o processo de escavação, faltava um núcleo museológico para preservar e valorizar esses vestígios. Em 2014 foi então aprovado o projeto para o Museu das Termas Romanas. Apesar da obra ainda não se encontrar em funcionamento, já é possível tecer alguns comentários sobre a sua arquitetura, nomeadamente na relação que esta estabelece com a cidade ou a própria expressão plástica que manifesta.

Relativamente ao primeiro ponto, isto é, a implantação do edifício e respetiva comunicação com a envolvente, é necessário esclarecer que se trata de uma zona histórica da cidade com uma massa construtiva bastante densa, atendendo que além das habitações (típicas), também o edifício do tribunal, de carácter imperial (construído ainda a mando do Estado Novo), circundam e limitam fisicamente o terreno de intervenção.




A solução do projeto passou por desenhar uma plataforma situada a uma cota mais alta da rua (sensivelmente ao nível do piso de entrada do tribunal), que funciona como cobertura praticável, nascendo aqui uma nova praça na cidade.

Julgo que a ideia de criar um novo espaço social, de reunião da população, se adapta perfeitamente à natureza do lugar. Contudo, a execução dessa plataforma acabou por cortar a relação visual outrora existente entre as diferentes ruas que dão acesso ao lugar de intervenção. As próprias casas que, pela sua uniformidade, preservam um certo charme são assim renegadas para segundo plano.

Em relação à envolvente, adapta-se uma solução que procurasse manter a pendente natural do terreno; porém, o caráter desta intervenção enfraquece essa opção. Assim sendo, daria preferência a uma plataforma suportada por uma estrutura mais leve (metálica?), que reduzisse o impacto da obra na envolvente.



Quanto ao segundo ponto, trata-se na expressão plástica do modo como a obra nos é apresentada formalmente, que por sua vez se relaciona com a escolha dos materiais, o revestimento e a “decoração” que recebe.

Imagine que, nos próximos tempos, decide investir tempo na decoração da sua sala. Certamente que a sua intenção passa por torná-la num espaço mais íntimo, mais organizado ou, pelo senso comum, mais “bonito”. Como tem várias ideias para melhorar o espaço, opta por fazer as mudanças aos poucos, à medida que arranja tempo e encontra as peças e o material necessários. Hoje pinta as paredes. Amanhã compra o armário e a mesa. Na semana seguinte investe no sofá dos seus sonhos; entretanto encontra uns jarros antigos que quer reaproveitar, mais umas velas... e vai assim decorando a sua sala.

Como não teve um plano inicial ou uma espécie de previsão do resultado final (ao que se chama “projeto”), no final vai reparar que meteu toda a “tralha” no mesmo espaço, e em vez de tornar a sala mais íntima e organizada, acaba por transformá-la numa sala catastrófica.



Esta analogia serviu para explicar a minha interpretação, menos positiva, do aspeto formal da obra. Uma vez montada a estrutura, assistiu-se gradualmente a uma série de transformações, que resultaram de múltiplas ideias, mas (julgo eu) não pensadas como um todo. Por outras palavras, falta aqui clarificar o conceito que caracteriza e equilibra o sentido formal desta obra arquitetónica.

Quem acompanhou a evolução construtiva da obra certamente reparou nos vários rostos que o museu foi adquirindo ao longo do tempo. Progressivamente adicionaram-se peças e mais peças, que depois postas em conjunto não resultaram em harmonia, descaracterizando cada vez mais a obra.

Nestas rúbricas sobre a arquitetura procuro elogiar o trabalho dos meus colegas de profissão, porque encontro as mesmas dificuldades quando tento conquistar o público através de ideais modernos/contemporâneos. Contudo, também me sinto na obrigação de dirigir críticas menos positivas quando existem aspetos que me incomodam, particularmente quando estes se relacionam com a integração da arquitetura na cidade. E infelizmente, a meu ver, o novo museu não veio impulsionar um lugar que em tempos foi tão simbólico para a cidade e os cidadãos flavienses (importância já assumida nos tempos romanos). Antes pelo contrário: a obra retira força à preexistência ao se tentar impor, quer a partir do volume da sua massa, quer a partir da sua “extravagância” plástica.




Falta saber como o espaço deste núcleo museológico será explorado daqui para a frente. Trata-se aqui de um projeto com enorme potencial, que lida com condições excecionais, seja pelo lugar de intervenção, pela história que os vestígios evocam ou até pela atração da atividade turística. Na verdade, seria uma obra que qualquer arquiteto gostaria de aceitar como exercício de reflexão arquitetónica; pois hoje já não se encontra facilmente um desafio desta natureza, com o privilégio de desenhar um edifício num lugar simbólico e ligado a uma história tão longínqua que ainda nos pertence. Por essa razão defendo que este projeto, em particular, justificaria a escolha de um arquiteto mais experiente nesta matéria de lidar com edifícios tão singulares como este...

Por vezes o barato sai caro.




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