Palavras Moucas, Ouvidos Loucos #9

Por: Diogo Martins Martins




Para ser escutado. Lá dentro, cá fora ou na rua.

“Retimbrar no chão! Retimbrar no chão!”. Foi o que mais ouvi quando cheguei a meio daquele que viria a ser o meu primeiro concerto da banda. Quinze minutos passados os Retimbrar já estavam a juntar-se ao público numa gigante roda pelo recinto. As danças de roda, os cantares e as percussões fundiram-se com aqueles que pensavam ter ido assistir a um concerto normal. Mas os concertos de Retimbrar não são concertos normais. São acontecimentos. Talvez por isso tenha recebido de pé atrás a notícia de que preparavam um disco. Não me interpretem mal mas gravar um disco, só por gravar um disco, é algo que por si só não tem grande relevância. Para ser honesto, pensei cá para com os meus botões o que lhes teria passado pela cabeça. O registo é importante, sim. Mas ninguém espera de Retimbrar aquela definição no áudio, aquela produção fantástica ou aqueles temas limpinhos preparados para serem ouvidos enquanto estamos ao volante. Deles esperamos a festa, as percussões que se fundem numa só, as vozes honestas e sobretudo a performance que sai naturalmente a músicos fabulosos. Um concerto deles é uma experiência enriquecedora que se faz entre pessoas, algo que seria dificilmente reproduzido através de um registo discográfico.

Mas vamos ao Voa Pé que é isso que interessa. Ouvi a primeira vez e respirei de alívio. Soa a Retimbrar e é Retimbrar. Notou-se arrumação na casa, sim. Mas sem esquecer a sua identidade, algo que já parece ser intrínseco a uma banda com a experiência que esta tem.



E porque soa a Retimbrar? Porque o álbum é uma mescla das maravilhas que só o estúdio pode dar, com a energia que só um concerto pode transmitir. Literalmente. De alto a baixo. Em casa ou na rua. Cá dentro ou lá fora. Voa Pé é um resumo de todas as experiências dessa estrada que já lhe vai em cima. É um entendimento profundo da sonoridade que a banda tem e uma reprodução fiel da energia que esta transporta, mesmo estando em constante mudança.

Começamos Ao Alto com as percussões e ao alto ficamos no Voa Pé. O single que para os mais desconfiados como eu pode não parecer convencer à primeira audição (há outro Voa Pé neste álbum que mais me enche as medidas, já lá chegaremos), mas que se mostra enquadrado no álbum e uma escolha inteligente para chegar a um público diferente.

Deixai o menino divide-se em duas faixas (como muitas neste álbum). A segunda parte é a parte que tem o verdadeiro conteúdo, se é que assim posso resumir. Mas para mim é na primeira parte que realmente reside a prova de que nada neste disco foi deixado ao acaso.







Lembro-me de uma edição do Flaviaefest em que os Retimbrar tocaram. Após o concerto e já noite dentro estávamos a preparar-lhes uma entrevista em vídeo e, enquanto os acertos técnicos estavam a ser ultimados, os Retimbrar foram eles próprios. Uma família reunida em torno de música. Se vasculhar os meus aquivos de áudio dessa noite, vou ouvir algo muito parecido como essa primeira parte de Deixai o menino. É uma janela escancarada para o ambiente que se vive nos Retimbrar. Para quem ouvir o disco pode pensar que estou a tirar demasiadas conclusões de uma faixa de apenas 20 segundos que até pode não parecer nada demais. Mas nesta faixa percebi que estava a ser arrogantemente errado ao partir do princípio que um registo discográfico era um passo em falso para os Retimbrar. Faixas como esta ou como outras de igual sinceridade que se alongam ao longo do disco (Tracanhola Crocodeúlica e m.f.p. são mais dois bons exemplos) transformam o intransponível e reflector plástico do CD, num vidro transparente e que não esconde segredos.

Só há uma maneira de uma banda como Retimbrar poder funcionar em álbum: com transparência. Escusado será dizer que Voa Pé é do mais honesto que podemos ouvir por aí.

O que me leva aos meus comentários finais e à referência daquela que para mim é a cereja no topo do bolo – Voa Pé (cá dentro). Tudo está no ponto nesta música. É simples, está magicamente bem interpretada e consegue realmente chegar a nós pela sinceridade. Não há artimanhas complexas nem fogo de artificio. Foi, para ser sincero, o tema que me fez recomeçar a escutar o álbum por me fazer aperceber o quão bonitas as vozes estavam a soar. Algo que foi impossível de ignorar na segunda vez que escutei todas as músicas (confesso que fiquei com pena de não as ouvir mais vezes).



Em resumo, este é definitivamente um trabalho a ter em atenção. Não só porque já era tempo de os Retimbrar terem um lugar merecido de maior destaque no nosso panorama musical, mas também porque, tal como todo o trabalho da banda, este álbum é uma experiência completamente diferente. Uma obra que para mau entendedor pode parecer fragmentada, mas que está unida com a autenticidade de um grupo que sabe muito bem o que faz.

Voa Pé merece estar em destaque nas prateleiras junto com outros nomes grandes da música Portuguesa.


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