Transmontanos Pelo Mundo #8

Por: Inês Fernandes


Quando em 2011 me propus ao programa Erasmus, não fazia ideia quão longe isso me iria levar. Eu, como tantos outros estudantes hoje em dia, decidi agarrar a oportunidade de viver noutro país por um curto período de tempo. Estudava na altura Artes Plásticas na Universidade do Porto e o meu curso baseava-se muito em experimentar diferentes disciplinas mediante os interesses e objetivos de cada aluno. Quando ainda estava no Porto experimentei uma unidade curricular de animação. Sempre tive curiosidade em como seria fazer animação, mas em Portugal esta é uma área pouco desenvolvida. Desta forma, quando me inscrevi para o programa Erasmus fui à procura de escolas na Europa com o curso de animação. Entre muitas, constava no meu formulário a AKV Sint Joost em Breda, na Holanda, onde fui aceite para um programa de mobilidade de 4 meses.

Parti para a Holanda em julho de 2012, tendo ido primeiro para Amesterdão para fazer um curso intensivo de holandês. Em agosto mudei-me para Breda para começar a minha aventura em animação.

O entusiasmo que senti logo durante o primeiro mês foi fora do normal. A vontade de ir para a faculdade, aprender mais sobre a arte de animação, e fazer os meus projetos era algo que nunca antes tinha sentido. Apercebi-me que isto não podia ser apenas uma aventura de quatro meses. Pedi prolongamento e a aventura passou de quatro para nove meses.





Quando nos mudamos para um país diferente, no início tudo é novo e excitante. Tudo parece funcionar melhor (ou pior). As diferenças tornam-se evidentes. Começamos a notar em que pontos o nosso próprio país falha. Uma coisa que notei imediatamente foi que aqui a vida funciona de maneira mais eficiente. Em vez de começar as aulas as 08h30, começamos às nove. Em vez de sairmos às seis, sete ou até às oito da noite da faculdade, saímos às cinco. Depois vai-se para casa, janta-se e ainda sobre tempo para estar com a família ou ir beber um copo à esplanada com os amigos (se tivermos a sorte de não estar a chover).


Outra coisa que notei quase de imediato é a diferença na atitude dos estudantes. Em Portugal temos esta ideia parva de que toda a gente tem de ir para a faculdade e se possível ser doutor. Noutros países, como na Holanda, quem vai para a universidade vai porque quer; e isso nota-se no desempenho e entusiasmo dos alunos. A educação funciona de uma maneira muito diferente. A escola primária começa aos 4 anos. Há vários níveis de formação e não há uma pressão social para ter uma licenciatura ou mestrado. Deste modo, as pessoas estão distribuídas pelo mercado de trabalho de forma mais homogénea. Há trabalho para quase toda a gente e as pessoas tornam-se economicamente independentes mais cedo.


Mas nem tudo são coisas boas. Passados os primeiros meses comecei a aperceber-me da falta do calor português. Não estou a falar da meteorologia (se bem que este também é um fator), mas sim da proximidade das relações pessoais que nós portugueses temos. Não quero com isto dizer que os holandeses são frios. São pessoas adoráveis, mas no que toca a espontaneidade falta-lhes muita. Para ir tomar café com um amigo quase que é preciso marcar na agenda com duas semanas de antecedência. Nós portugueses gostamos de jantaradas, de trabalhar em conjunto, andamos sempre metidos em casa uns dos outros ou na esplanada do café. Só quando saí de Portugal é que me apercebi quão portuguesa é esta atitude. O sol português também me faz falta. Em Portugal esquecemo-nos quão precioso é este bem, mas quando passamos meses a fio sem ver um raio de sol, e a depressão de inverno se instala, é que vemos quão necessária é essa vitamina D.



Passados nove meses a estudar animação senti que ainda não chegava. Falei com o meu tutor outra vez. Perguntei-lhe se havia a possibilidade de fazer o resto do curso de animação aqui. Apesar de estar no último ano de Artes Plásticas, prestes a licenciar-me, decidi pedir transferência e começar quase de novo. De nove meses, a aventura passou a ser de três anos. Esta decisão baseou-se, por um lado, nessa nova paixão pela animação; e, por outro, nas possibilidades futuras. Sabia que licenciar-me em Artes Plásticas não me iria garantir um emprego. Aliás, a possibilidade de isso acontecer era quase nula. Quando falava com as pessoas da indústria criativa daqui, as coisas pareciam-me muito melhores. Não é tudo perfeito, mas a perspetiva de vir a poder trabalhar na minha área era muito maior. Existe mercado de trabalho e isso para mim foi motivação suficiente para seguir o sonho de estudar animação.

O verão passado concluí aqui a minha licenciatura. Foi também nessa altura que fiz a minha inscrição nas finanças enquanto freelancer. Desde então tenho trabalhado em animação. Nada aconteceu por acaso. Não acredito que seja fácil uma pessoa mudar-se para a Holanda à procura de trabalho na indústria criativa e arranjar emprego imediatamente (se bem que com algum esforço e dedicação seja possível). O meu primeiro trabalho como freelancer foi para o estúdio AFTERLIGHT, estúdio irmão do estúdio APVIS, onde fiz o meu estágio curricular. Temos boas relações desde o estágio e estavam a precisar de alguém com as minhas capacidades para um projeto. Trabalhei um mês. Entretanto arranjei outros projetos mais comerciais com uma empresa de marketing, a fazer umas animações simples uma vez ou outra. Não é trabalho divertido mas paga a renda. E devagar começaram a aparecer outros projetos mais interessantes. Estive envolvida num projeto para uma série de animação americana e agora estou a trabalhar num pequeno documentário até ao verão.

Pensei que iria ser mais difícil arranjar trabalho. Sinto-me uma mulher cheia de sorte, principalmente quando vejo o estado das coisas do meu país. Costumo dizer que Portugal é o melhor país para viver e o pior para trabalhar.

A Holanda deu e continua a dar-me muito; mas não sei se é para sempre. Desde que me mudei para aqui aprendi que é preciso estar preparado para deixar tudo e ir à procura do que queremos. Existe a possibilidade de me mudar para a Bélgica em breve para fazer um mestrado. Talvez vá, talvez não. Mas a verdade é que fica sempre o sonho de voltar para Portugal, onde o sol brilha mais alto e onde me sinto em casa. Viver entre portugueses. Mas vivo um dia de cada vez, sigo os meus instintos e mantenho os olhos abertos para o próximo passo, nesta aventura que é a minha vida.




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