Transmontanos Pelo Mundo #9

Por: Maria João Palavras

Voltando há 7 anos atrás, quando o meu ano-tropa começou, precisamente dia 14 de Setembro de 2009 às 8h00. Não foi de maneira alguma um ano militar no sentido literal, mas sim a nível pessoal. Dava, então, início no curso de Ciências Farmacêuticas na Universidade do Porto, e eu, Maria João Palavras, era pela primeira vez caloirinha. Infelizmente esperavam-me 9 meses de sacrifício porque não era o curso dos meus sonhos. 

Algo dentro de mim falava mais alto, algo que se chamava Medicina. Foi então que arregacei as mangas e fui à luta! Mais uma vez voltei a cair porque não consegui entrar em Medicina em Portugal, mas foi quando ligeiramente levantei a cabeça e vi uma mão estendida como que para me ajudar a levantar: era Espanha! E foi quando a grande aventura começou.



Eu, transmontana de gema, dediquei 6 anos da minha vida a Espanha, nomeadamente Galiza, mais concretamente Santiago de Compostela. E não me arrependo nem um segundo.


Falando em Santiago de Compostela, a primeira imagem que me vem à cabeça é de 1001 guarda-chuvas, e não sei quantos pares de galochas. É uma cidade onde começam a cair as primeiras gotinhas de chuva em Outubro e duram até Maio. São muitos meses para uma pessoa se habituar à chuva e ir provando diversos guarda-chuvas: em forma de ovo, com forma aerodinâmica, resistentes ao vento…Contudo, por mais sofisticados que fossem, acabavam por ficar encostados a um canto na praça do Obradoiro, pois em dias de temporal, não havia guarda-chuva que resistisse à junção dos 4 ventos naquela praça.


Nem tudo foi chuva! Também houve dias de sol intenso, e de esplanadas que chamavam por mim a gritos e me convidavam a uma cerveja com uma tapa. Tapas que normalmente eram batatas fritas, milho frito, amendoins, ou até gomas. A isto juntavam-se os amigos. “Hablan, hablan…”, contavam piadas típicas galegas e eu, novata por terras galegas, sorria como se estivesse a entender. Os minutos passavam, não tinham pressa de chegar a casa, os copos de cerveja multiplicavam-se em cima da mesa até que chegavam as 21h. Por fim, levantavam-se para regressarem a casa, depois de um dia de trabalho, e alguém dizia “Hoy se sale, no?”. Sair? Mas então, não são horas de ir para casa jantar e depois dormir? Aí está a diferença entre o português e o espanhol. Não há o café das 21h com os amigos até à meia-noite e depois casa. Em Espanha há festa! Em Espanha às 23h é hora de vestir o vestido mais justinho, calçar os sapatos altos e voltar a casa ao amanhecer. Claro, isto se és estudante. 




E por falar em café e em cerveja! Durante seis anos, sempre que queria café, tinha que pedir “café solo”, caso contrário serviam-me um café com leite. Sempre que queria uma Super Bock tinha que me contentar com uma Estrella Galicia, que com o passar do tempo comecei a gostar. E aquele raminho de salsa que se vai pedir à vizinha do andar de cima? Ou até mesmo aquela colherzinha de sal? E aquele cheirinho a pão centeio quentinho que só dá vontade de cortar uma fatia de lado a lado e barrar com manteiga? É tão português… é tão nosso! E só nos lembramos quando não estamos em Portugal.

Depois havia dias em que a saudade levemente batia no coração. Não havia Amálias, nem Marizas, nem Carlos Paredes que pudessem preencher aquele calor português que tanto fazia falta. Por mais parecidos que somos aos galegos, o vinho tinto não é o mesmo, a lareira não é a mesma e as chamadas para Portugal tornam-se insuficientes (e é quando passas a usar mais o Skype que o telemóvel). Felizmente, como são muitos os portugueses que estudam em Santiago de Compostela, fazíamos jantares. Não faltava o vinho do Douro e da Régua, os pastéis de Chaves, o folar da avó de Bragança, as chouriças e os bons bifes para fazer as francesinhas... e tantas outras coisas que se tornam tudo quando estás longe.



Para além dos estudos, também houve tempo para conhecer e apaixonar-me pela costa galega. São paisagens e praias lindíssimas, como por exemplo as Ilhas Cies que ficam ao lado de Vigo. Um bocadinho mais a norte, o Grove, onde se come um marisco divinal. Um sabor inesquecível. Continuando a subir no mapa, está A Coruña, onde não se pode passar sem visitar a Torre de Hércules. E já que falo em trilhos e caminhos, não me poderia esquecer de Finisterra onde acaba o caminho de Santiago de Compostela. Toda esta costa galega, marcada pelas ondas fortes e pelo vento do norte, a meu ver, não há outra beleza natural em Portugal, que seja equiparável. 

Os 6 anos chegaram ao fim, sei que terei saudades da Galiza e de todos os amigos que fiz, mas volto com um sonho realizado. E como diria Roberto Leal em Verde Vinho “bom português, regressa breve e vem de vez!”. Oxalá, não tenha que voltar a partir!



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