Era Uma Vez um Cineteatro #9


Por: Tânia Santos


Obra | Antigo Cineteatro
Arquiteto | Bruno Alves Reis / Nadir Afonso
Projeto | 1963


Chaves guarda no seu centro histórico um tesouro bem escondido que, uma vez fechado à chave, nunca mais se voltou a abrir. O antigo cineteatro, que recebeu cinema, peças de teatro, concertos e até Assembleias Municipais, torna-se o ponto de encontro social e cultural dos flavienses durante quase duas décadas. Contudo, o início dos anos 80 dita o fecho da então única sala de espetáculos da cidade.

No início da década de 60, os proprietários da empresa “Madureira & Xavier. Lda” convidam o arquiteto (e futuro pintor) Nadir Afonso para desenhar um novo cineteatro. Desde logo, Nadir entendeu o potencial do lugar de implantação deste edifício em gaveto, com uma fachada voltada para a Rua de Santo António e outra para a antiga Travessa do Olival. Respeitando o alinhamento das fachadas em ambas as ruas, Nadir resolve subtilmente a dificuldade de integrar um equipamento público (com capacidade para 754 lugares sentados) numa malha urbana formada fundamentalmente por edifícios de dimensões mais reduzidas (destinados sobretudo à habitação e ao comércio). Dada a generosidade das dimensões do terreno de construção, o arquiteto opta ainda por libertar a área posterior para dar lugar a um agradável espaço exterior privativo (um logradouro ajardinado), do qual os espectadores poderiam usufruir durante os intervalos dos espetáculos.

Já depois de concluir o desenho do projeto, surge um novo pedido dos proprietários da mesma empresa, que pretendiam construir também, naquele mesmo terreno, um hotel (Hotel Trajano). As modificações propostas foram tantas – nomeadamente a eliminação do pátio ajardinado, ganhando assim espaço para o hotel –, que Nadir, já estafado com todo o processo, decide abandonar por completo o projeto.

Para dar seguimento ao processo, os proprietários contratam o arquiteto portuense Bruno Alves Reis. Embora se sujeite ao pedido do cliente (cineteatro e hotel no espaço do logradouro), o novo arquiteto decide, curiosamente, respeitar as principais orientações do desenho de Nadir Afonso para o edifício do cineteatro. A logística do funcionamento do edifício (programa, circulação e acessos), a expressão formal na marcação da divisão espacial entre palco e plateia (altimetria) ou no desenho sinuoso em planta (espécie de ferradura), a poética nos planos curvos inclinados da cobertura da sala de espetáculos ou no duplo pé direito do vestíbulo, iluminado por uma grande claraboia, comprovam que Bruno Reis aproveitou a sensibilidade artística e o conhecimento construtivo revelados pelo seu antecessor para resolver um programa de elevado grau de complexidade.

Assim sendo, o cineteatro foi finalmente construído e abre ao público em 1963. Poucos anos depois, também se assiste à inauguração do Hotel Trajano.

Restam as memórias de agradáveis noites de convívio a quem teve oportunidade de frequentar esta sala de espetáculos. É dramático pensar que, numa cidade onde a cultura estagnou durante longos períodos (também pela falta de oferta de equipamentos culturais), exista um espaço magnífico, outrora construído para receber uma multidão de espectadores, mas que se encontra encerrado há mais de 30 anos (!).





Estranhamente poucos flavienses (reservando aqui algumas exceções) lutaram pela sobrevivência deste cineteatro, poucas vozes se ouviram e se revoltaram (que não é postura usual dos flavienses quando se trata de preservar as “relíquias” do passado) e julgo que, por essa razão, parte da população (sobretudo a mais jovem) até desconhece a sua existência.

O edifício caiu simplesmente em esquecimento, foi abandonado, quase enterrado.

Também é facto que, nestes últimos anos, as entidades municipais procuraram uma solução para o renascimento do cineteatro e talvez não a encontraram, apenas por culpa dos elevados (e excessivos) requisitos técnicos e consequentes gastos financeiros que a atual legislação de obra obriga.

Mesmo assim, neste caso particular, a cidade, a população, a arquitetura e a cultura mereciam outro desfecho.

Entretanto a Câmara Municipal optou por uma solução (alternativa), que projeta a transformação do antigo cineteatro numa nova Loja do Cidadão. A previsão de abertura aponta para 2017 e cujo objetivo, segundo os responsáveis da Câmara, passa por promover “uma maior dinâmica do centro comercial ao ar livre do Centro Histórico”.

Enfim, mudam-se os tempos, mudam-se as dinâmicas. Era uma vez um cineteatro...






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