Entrevista a Fernando Dadim #9

Por: Manuela Rainho

Dadas determinadas condicionantes, a presente entrevista não foi presencial. No entanto, pretendemos partilhar com o autor a opinião de um dos escritores mais interessantes da nossa praça, Fernando Amado Morais Castro, cujo pseudónimo é Fernando Dadim. Natural de Angola, de formação académica em Direito, o escritor escreve poesia que se encontra espalhado em jornais e revistas com que colaborou, nomeadamente a revista RISCO e a ZUT em Viseu.

É ainda romancista. Segundo o próprio, o romance é uma consequência da necessidade física e anímica que tem de escrever.







Manuela Raínho: Para si o que representa escrever?
Fernando Dadim: Para mim, é participar no «Agir Comunicacional», contribuir para aquilo que Hegel designava por «Espírito comum». Por outras palavras: o terceiro mundo para Karl Popper, tudo quanto a ciência e a cultura produziram ao longo da história de uma dada comunidade mais a sua interação com outras culturas e civilizações. Logo, escrever literatura é uma forma de fuga à alienação, à exclusão. É receber o aconchego do grupo, da comunidade mediante apreço que ela nos dedica; ou não dedica. Se este for o caso só nos resta protestar pateticamente por o pelotão levar o passo trocado relativamente a nós. E então seremos o centro do mundo tragicamente e teremos o indivíduo «contra mundo.».





M.R.: Considera-se um ser crítico?
F.D.: Se não o fosse para quê entrevistar-me?



M.R.: Como decorre o seu processo criativo?
F.D.: Há que discernir os vários e diferentes processos de produção de cultura consoante estejamos no registo da poesia, ou da literatura, da pintura, do cinema, do teatro e da música. 


A poesia: escrever um poema, por exemplo, isso faz-se de um jato. Porém relativamente a um longo poema como os Lusíadas as coisas já não se processarão dessa maneira. Aqui já estaremos mais próximos da literatura. Isto é, vai-se escrevendo, andando, indo: muita persistência, muita transpiração. Por outras palavras: Combinar «aquilo que não faz sentido» que é a poesia no dizer de Barthes; Com aquilo que tem um discurso lógico, aquilo que faz sentido que é a obra literária.

Como pode constatar, tento fugir a essa questão, na medida em que não desejaria fulanizar excessivamente à minha resposta. Em todo o caso, se alguém desejar escrever uma obra de ficção, só tenho a dizer que, embora não se trate propriamente de culinária, que a obra literária assim como toda a obra de arte se produz do fim para o princípio: Reconheço que é pouco mas ter talento já é uma boa ajuda...


M.R.: O que é para si criatividade?
F.D.: Criatividade é dar uma gargalhada perante esta entrevista: É ser contra o que está estabelecido como cultura. O rirmo-nos da sociedade sem temermos a solidão ou o ostracismo. Por outras palavras: o sermos contra o «estabelecido» porém não lhe devendo nada para podermos falar de alto!

M.R.: Pensa que existe uma crise de identidade cultural transmontana?

F.D.: Primeiro de tudo para que pudesse merecer uma resposta a esta pergunta, seria necessário saber no que a cultura transmontana consiste para além de aspectos etnográficos mais ou menos folclóricos. Não existe uma cultura transmontana distinta da cultura nacional, as outras regiões do nosso país já tinham sido, no antigamente, muito semelhantes às de Trás-os-Montes, era o nosso arcaísmo; os grandes vultos da cultura com raízes locais são grandes dinossauros das letras nacionais: Veja-se Torga.

No referente a uma crise identitária transmontana. Só lhe tenho a dizer que a modernidade acelerada pela emigração para a Europa trouxe consigo a destruição de tudo quanto era arcaico com a consequente perda de sentido da vida do antigamente, do tempo em que o dinheiro quase não entrava, não era tido em conta no quotidiano das pessoas, passava-se bem sem ele. Era o tempo da permuta de coisas por serviços, de produtos agrícolas por outros do mesmo teor, de horas de trabalho por horas. Ora isto dava uma consistência à vida das pessoas: Uma espessura que por isto ter desaparecido; o carácter das pessoas das nossas aldeias corre o risco de não se reproduzir por as condições antropológicas e de produção se terem alterado radicalmente e em poucos anos.



M.R.: De que forma o ser do norte, transmontano, o condiciona e ou integra?
F.D.: Quer pergunta mais chocha do que esta? Então não sabem que sou um solitário? Faz-me lembrar aquela anedota que, estando Adão e Eva no jardim do Éden, esta sorrateira, apanhando Adão distraído, lhe cerrou os olhos com ambas as mãos e lhe perguntou, «coquete», “Quem é?”.

M.R.: Como definiria Fernando Castro, enquanto pessoa de cultura e de escrita?
F.D.: Uma merda até duas!



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