O Universal é o Local sem as Paredes

Por: António Sampaio da Nóvoa

A cultura é enraizamento e abertura. Quando o local se fecha dentro de si, perde-se a abertura, a possibilidade de criação. Miguel Torga disse-o numa única frase: O universal é o local sem as paredes. A cultura não se define por um universalismo sem raízes, mas pela capacidade de nos projectarmos, a partir de nós, para além dos muros.


Dito de outra maneira: cada ser humano é um singular universal. Exemplifiquemos com a arte. Na singularidade de um quadro de Nadir Afonso ou de Graça Morais está contida toda a história da pintura, a sua universalidade. Nada contra o conhecimento enciclopédico, generalizado no tempo da wikipédia. Mas é preciso sentir também a profundidade da geometria de Nadir e da fantasia de Graça.




A cultura é sempre procura, descoberta, viagem. Imóveis, não chegamos a nenhum lado. Por isso, é tão importante este vosso projecto, que junta imaginações, textos, obras e pensamentos. A matemática é um prolongamento da música, e a música da palavra, e a palavra do desenho, e o desenho da ideia, e a ideia do silêncio. 



Que o vosso ROR DE COISAS nunca separe o inseparável. O mais importante está sempre nas fronteiras. O artista conhecerá melhor o mundo, e até a sua arte, se souber matemática e física e biologia e química. O cientista compreenderá melhor as coisas, e também a sua ciência, se se abrir à música, à pintura, à arte.

Do silêncio à palavra, e vice-versa, 
opera-se uma transformação mágica. Se for um intervalo, é nele que quero viver. “A filosofia não é um meio de descobrir a verdade. Mas é, como a arte, um processo de a criar”, disse Vergílio Ferreira. Se tivéssemos feito sempre tudo certo, de acordo com as certezas de cada época, teríamos ficado fechados no espaço e no tempo. 



Que este vosso ROR DE COISAS seja a maneira de cada de um se escrever e, assim, inscrever Trás-os-Montes para lá dos montes. Também eu, minhoto, tenho família em Canelas, no Peso da Régua, e até uma rua “Dr. António Nóvoa”, mas o nome não é meu, pertence a um antepassado, médico da aldeia.


Diga-se do “reino maravilhoso”, o que João Guimarães Rosa escreveu sobre o “Sertão”: é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Só com um ror de cultura a vida se torna mais forte do que o lugar. A criação enraíza e liberta

Talvez seja mesmo verdade. A cultura não serve para nada, a não ser para tudo o que é verdadeiramente importante.



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Nascido em Valença, António Sampaio da Nóvoa é uma das figuras efervescentes do panorama político nacional. Fez do teatro, da bola e dos cafés de Coimbra um ensaio à intervenção. As leituras, as tertúlias, um debate constante pelo futuro de Portugal. É Reitor honorário da Universidade de Lisboa e dedicou grande parte da sua vida à educação e à ciência. Exímio orador, foi agraciado com a grã-cruz da Ordem da Instrução Pública e é Comendador da Ordem de Rio Branco do Brasil. É actualmente candidato à presidência da república.



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