No Dia em que a Cultura Morrer


Por: Diogo Martins Martins


Olhamo-la como se ainda nos pertencesse. A Cultura. 
Como se os dias que passaram pudessem ser apagados pela memória que insistimos em não criar. 
Exige esforço, o desprezo. O desprezo exige atenção.
E os homens criam os dias com esforço. Com esforço conseguimos os dias para os quais trabalhamos.
Um dia chegará, e esse dia será definitivo. Absoluto. 
Nesse dia não haverá bola. Nem haverá novela.
Nesse dia não haverá discussão à mesa na hora do jantar. E não haverão orgulhos ou disputas, porque nesse dia, também não haverá vontade nem querer.
Nesse dia não teremos pais. Nem irmãos. E há muito teremos esquecido os avós.
Esse é o dia em que a cultura morre.
E não morre de velha. Morre de podre, por descuido.
No dia em que a Cultura morrer, morrem as desculpas. Morrem os comodismos, os dinheiros, as invejas e as agendas. E com ela vão os queixumes, os tristes fados, os remédios e as orações.
No dia em que a cultura morrer, seremos finalmente todos iguais. Seremos todos culpados.
Morrem os cantos, os montes, as vestes e as danças.
No dia em que a cultura morrer, morrem as palavras. Todas. As feias, as bonitas, as da boca e as do coração.
Só resistirá o tempo. E mesmo o tempo como o conhecemos, morrerá. O tempo será mais distante. Mais brando. Neste tempo não haverá pressa de chegar ou de fazer.
Este tempo não terá presente, nem futuro, nem passado.
Este tempo será insípido, porque neste tempo não existirá a receita da avó nem o travo que a panela lhe dava.
O que não irá resistir será a memória. Essa vai-se toda. Como já se foi antes. Porque no dia em que a Cultura morrer, não morre só o que é de hoje.
No dia em que a Cultura morrer morrem os amigos, os amores, as paixões e os afectos.
Morrem os teimosos, os vaidosos, os de vícios e os de fé. Não há fé que nos salve nesse dia, porque a fé não terá casa e os santos não terão corpo.
No dia em que a cultura morrer, estamos todos condenados pois com ela morre tudo o que somos.

No dia em que a Cultura morrer, morreremos todos com ela.





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