Entrevista a Carneiro Rodrigues


Por: Manuela Rainho




Como pintor, Carneiro Rodrigues dispensa apresentações. É um dos expoentes mais consistentes da pintura flaviense. O encontro ocorreu na sua galeria, na zona histórica da nossa cidade.

Manuela Rainho: Apresente-se como pintor: quem é? Como e por que razão a pintura?
Carneiro Rodrigues: Sou Carneiro Rodrigues. O nome é aleatório. Estou relacionado com esta área não por acaso; escolhi Artes porque leccionar o 1º ciclo não era a “minha praia”. Tive momentos de indecisão. Se há profissões onde não somos estimulados a estar são as artes. Os meus pais não condicionaram escolhas: nem favoreceram a vocação, nem a estorvaram. Desenhava por gosto e aptidão naturais e pensei que a área de conforto seria pintura, embora gostasse de escrever.


M.R.: Como cria? Como chega a um conceito, a uma tela?
C.R.: A ideia de criação depende de um processo evolutivo que varia em função de factores exteriores e culturais; é difícil sintetizar. É um processo passível de se desencadear por algo que leva ao acto criativo. No entanto, penso que há duas situações: uma decorre da necessidade de pintar, pois se não o faço, ocorre um vazio, só preenchido pela vontade de objectivar a realidade: o encontro com ela ou com algo a comunicar; outra, do facto de contrair essa obrigação, através de encomendas; se alguém propõe um trabalho acerca de determinado tema, a situação é diferente, mas encaixa no processo criativo pois ao assumir a temática respondemos-lhe consoante a nossa idiossincrasia. A arte não é uma questão de técnica ou mensagem objectiva é também o encontro com a subjectividade: eu, exterior e mensagem. Um trabalho encomendado não pode ser condicionado; se o fizerem, declino a sua realização. Se não houver liberdade para criar, a obra não flui. A criação tem sempre algo de subjectivo: exprimir emoções, pensamentos, ideias. Só assim se pode falar em Arte. Portanto, em arte, a liberdade é uma obrigação. Talvez por causa disso provoque estranheza, visto liberdade ser um conceito raro no nosso quotidiano. Somos formatados para responder convencionalmente; a arte pretende o contrário: o convencional é incompatível com Arte.



M.R.: O que referia há pouco sobre a Arte provocar estranhamento, é importante?
C.R.: O objectivo do artista não é o estranhamento relativamente ao que produz. A necessidade de novidade é por mim. Não sei se acontece com os outros artistas, mas canso-me de uma forma que já experimentei. Necessito de variar formas, diversificar, procurar novas vias. Essa necessidade de novidade é intrínseca à Arte e reflecte a ideia de utopia: ansiar por algo melhor. Essa é a busca do artista. A estranheza de quem vê relaciona-se com a não coincidência de códigos entre quem fez e quem vê.

M.R.: Habitualmente de quanto tempo necessita para considerar um quadro acabado?
C.R.: Há situações em que faço um trabalho espontâneo: em desenho e aguarela sou imediatista. Há outras técnicas mais reflexivas como o óleo; é necessário reflectir sobre determinado pensamento plástico. A questão do tempo é irrelevante para a qualidade da obra. Às vezes demora-se porque não se encontrou a fórmula, a solução. Tempo e qualidade não têm uma relação necessária. Todavia há quadros que considerei acabados e posteriormente voltei a eles por causa do processo de reflexão. Técnicas como o óleo permitem intervenções.


M.R.: Se lhe pedisse para definir a sua pintura o que me diria?
C.R.: Simpatizo com alguns pintores mas não os adopto como modelos. Gosto de clássicos, impressionistas; as escolas em que se integram evoluíram, a gramática, a linguagem tiveram a sua época; não foi aleatório a arte encaminhar-se noutro sentido, foi a necessidade em função do contexto cultural, do gosto e do que a arte reflecte sobre a vida e sobre si própria. Logo é anti-natura o pintor filiar-se num estilo, adoptá-lo como divisa. Os estilos são sínteses de épocas, são a consequência dos pintores e não o contrário. Quem fez história na arte foram os dissidentes, os transgressores. A minha pintura tem influências, mas é a minha pintura, é o que me exprime. Preocupo-me em encontrar-me e actualizar; aproveito o que foi explorado; cada pintor é igual a si mesmo e a sua abordagem é individual.



M.R.: Até que ponto estar inserido no espaço transmontano condiciona a sua obra?
Onde aprendemos a ser, define a identidade mas é condicionante noutro sentido. A esse nível vivemos num meio estéril; o estilo que vem do exterior é pobre, apático, indiferente. E isso é trágico.



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