O Misticismo de Uma Terra Prometida #4










Por: Rubén Sevivas



Mal Nascida, João Canijo - 2007
 – 118min
Realização – João Canijo
Produção – Paulo Branco
Argumento – João Canijo, Céline Pouillon, Mayanna von Ledebur
Música - Gabriel Gomes
Imagem – Mário Castanheira
Intérpretes – Anabela Moreira, Fernando Luís, Gonçalo Waddington, Márcia Breia, Olivier Leite, Tiago Rodrigues
Local – Codessoso – Boticas




O interior de Portugal é negro! João Canijo explora uma ruralidade agreste, escondida e deserta em “Mal Nascida”. A atmosfera que paira sobre a aldeia de Codessoso é augural. Adivinha-se um desfecho trágico e vimos, somente, um minuto de filme.


João Canijo é um cineasta que consolida a sua carreira nos anos 2000. Os seus filmes têm características e traços autorais comuns que o tornam num dos cineastas portugueses mais reconhecidos e estudados nesta primeira década do século XXI.

“Mal Nascida” explora as três principais marcas autorais do realizador: uma tentativa de analisar a identidade nacional (aqui presente num meio rural recôndito e esquecido); o trabalhar a narrativa da tragédia grega – “Mal Nascida” é influenciado por “Electra”, de Eurípides, “Electra”, de Sófocles e “Coéforas”, segunda peça de “Oresteia”, de Ésquilo – e a sua abordagem realista que, por vezes, toca o hiper-realismo.




Lúcia (Anabela Moreira) é a eterna viúva do seu pai e a testemunha incómoda do assassinato do mesmo cometido pela mãe, Adelaide (Márcia Breia), e pelo padrasto, Evaristo (Fernando Luís). Espera o regresso do irmão, que em criança ajudou a fugir, para que possam juntos vingar a sua morte.

O Trás-os-Montes apresentado pelo filme está longe de ser o idílico de outras representações feitas pelo cinema. Antes pelo contrário, é um rural remoto em tempo e em espaço. Se estivéssemos num outro ano tudo seria igual – salvo a escassa tecnologia presente no filme. A visão pessimista de Canijo sobre Portugal é, mais uma vez, aqui reforçada. Existe um desconforto permanente em “Mal Nascida”, uma depressiva atmosfera que asfixia e mata a esperança. O passado é imundo, o presente inquieto e o futuro trágico.
Para além da narrativa que vive de uma violência extrema, as imagens da aldeia onde se passa o filme são violentamente dececionantes. Existe apenas uma criança. 

O gado é conduzido por idosos que se arrastam pelos caminhos desertos. Dos jovens adultos, vemos dois: Lúcia, que já conhecemos; e Jusmino, o rapaz que apresenta nitidamente algum tipo de deficiência. Não existe futuro. Apenas um baile de velhice, despovoamento e morte.
O filme é, portanto, um retrato escuro, depressivo e esgotante da vida no campo, onde os segredos do passado são horrendos e onde a lei se aplica pela mão humana. “Mal Nascida” é uma obra que, por entre o negro da noite, suga toda a humanidade presente no ar.

Das coisas mais curiosas que destaco no filme é a distribuição de espaços físicos por género. A certo momento, no funeral de uma personagem, temos as mulheres na igreja a prestar culto ao morto; enquanto isso, os homens estão no café, de igual modo, a pesarem a morte do mesmo.




Existe um mal-estar em relação ao ser português nos filmes de João Canijo. São frequentes os diálogos contra o país e contra a sua situação. “Mal Nascida” centra-se no seio familiar de intrigas, segredos e rumores que povoaram o imaginário de qualquer pessoa. Desde cedo ouvi contar, por exemplo, sobre o homem da aldeia que pontapeava a mulher para que esta abortasse. Passados que não se querem rever, que não se querem pensar, mas que um dia foram (e talvez ainda o sejam) realidade.



"Porque fazer a Escola de Cinema ensina a ver os filmes tentando perceber o porquê das coisas. Na aprendizagem prática das rodagens só aprendes a ver como. O como é muito menos importante do que o porquê."
João Canijo



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