– 118min
Realização – João Canijo
Produção – Paulo Branco
Argumento – João Canijo,
Céline Pouillon, Mayanna von Ledebur
Música - Gabriel Gomes
Imagem – Mário Castanheira
Intérpretes – Anabela
Moreira, Fernando Luís, Gonçalo Waddington, Márcia Breia, Olivier Leite, Tiago
Rodrigues
Local – Codessoso – Boticas
O interior de Portugal é
negro! João Canijo explora uma ruralidade agreste, escondida e deserta em “Mal
Nascida”. A atmosfera que paira sobre a aldeia de Codessoso é augural.
Adivinha-se um desfecho trágico e vimos, somente, um minuto de filme.
João Canijo é um cineasta que consolida a sua carreira nos anos 2000. Os seus filmes têm características e traços autorais comuns que o tornam num dos cineastas portugueses mais reconhecidos e estudados nesta primeira década do século XXI.
“Mal Nascida” explora as
três principais marcas autorais do realizador: uma tentativa de analisar a
identidade nacional (aqui presente num meio rural recôndito e esquecido); o trabalhar
a narrativa da tragédia grega – “Mal Nascida” é influenciado por “Electra”, de
Eurípides, “Electra”, de Sófocles e “Coéforas”, segunda peça de “Oresteia”, de
Ésquilo – e a sua abordagem realista que, por vezes, toca o hiper-realismo.
Lúcia (Anabela Moreira) é a
eterna viúva do seu pai e a testemunha incómoda do assassinato do mesmo
cometido pela mãe, Adelaide (Márcia Breia), e pelo padrasto, Evaristo (Fernando
Luís). Espera o regresso do irmão, que em criança ajudou a fugir, para que
possam juntos vingar a sua morte.
O Trás-os-Montes apresentado
pelo filme está longe de ser o idílico de outras representações feitas pelo
cinema. Antes pelo contrário, é um rural remoto em tempo e em espaço. Se
estivéssemos num outro ano tudo seria igual – salvo a escassa tecnologia
presente no filme. A visão pessimista de Canijo sobre Portugal é, mais uma vez,
aqui reforçada. Existe um desconforto permanente em “Mal Nascida”, uma
depressiva atmosfera que asfixia e mata a esperança. O passado é imundo, o
presente inquieto e o futuro trágico.
Para além da narrativa que
vive de uma violência extrema, as imagens da aldeia onde se passa o filme são
violentamente dececionantes. Existe apenas uma criança.
O gado é conduzido por idosos que se arrastam pelos caminhos desertos. Dos jovens adultos, vemos dois: Lúcia, que já conhecemos; e Jusmino, o rapaz que apresenta nitidamente algum tipo de deficiência. Não existe futuro. Apenas um baile de velhice, despovoamento e morte.
O gado é conduzido por idosos que se arrastam pelos caminhos desertos. Dos jovens adultos, vemos dois: Lúcia, que já conhecemos; e Jusmino, o rapaz que apresenta nitidamente algum tipo de deficiência. Não existe futuro. Apenas um baile de velhice, despovoamento e morte.
O filme é, portanto, um
retrato escuro, depressivo e esgotante da vida no campo, onde os segredos do
passado são horrendos e onde a lei se aplica pela mão humana. “Mal Nascida” é
uma obra que, por entre o negro da noite, suga toda a humanidade presente no
ar.
Das coisas mais curiosas que
destaco no filme é a distribuição de espaços físicos por género. A certo
momento, no funeral de uma personagem, temos as mulheres na igreja a prestar
culto ao morto; enquanto isso, os homens estão no café, de igual modo, a
pesarem a morte do mesmo.
Existe um mal-estar em
relação ao ser português nos filmes de João Canijo. São frequentes os diálogos
contra o país e contra a sua situação. “Mal Nascida” centra-se no seio familiar
de intrigas, segredos e rumores que povoaram o imaginário de qualquer pessoa.
Desde cedo ouvi contar, por exemplo, sobre o homem da aldeia que pontapeava a
mulher para que esta abortasse. Passados que não se querem rever, que não se
querem pensar, mas que um dia foram (e talvez ainda o sejam) realidade.
"Porque fazer a Escola de Cinema ensina a ver os filmes tentando perceber o porquê das coisas. Na aprendizagem prática das rodagens só aprendes a ver como. O como é muito menos importante do que o porquê."João Canijo
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