Entrevista a Mário Lino #7

Por: Manuela Rainho



Mário Lino é natural de Chaves. Em 1970 emigrou para o Canadá onde teve a oportunidade de se tornar artista gráfico. Quando regressa a Portugal procura reavivar o gosto pela pintura. Foi aluno de Nadir Afonso, o seu mestre. Através das Artes Plásticas fez várias exposições não só em Portugal como no estrangeiro. A luta pela sobrevivência no meio artístico obriga-o a alargar as suas competências: é freelancer em artes gráficas para empresas de Chaves e é restaurador de arte sacra.

Manuela Rainho: Como definiria Mário Lino, enquanto pessoa de cultura e das Artes Plásticas? 

Mário Lino:
Como pessoa, considero-me a melhor pessoa do mundo: pacífico, gostaria de ser Deus de vez em quando para poder interferir nos aspectos mais negativos da sociedade actual e assim castigar os que fazem intencionalmente mal e talvez beneficiar os que fazem bem… Quero acreditar que há uma entidade superior; há uma razão para existirmos; não estou vinculado a nenhuma religião, mas respeito-as porque a verdadeira essência do milagre está em acreditar. Acredito que a vida nos traz um mistério muito grande que nasce e morre connosco. Gostaria de ser Deus só para poder exercer mais justiça. Critico a comunicação social quando utiliza imagens de crueldade para poder desnudar o sentido da realidade da vida. Num sentido é bom mas noutro é péssimo. Mas penso que manipulam muito a sociedade o que é grave, na minha óptica. Condeno vivamente as redes sociais porque também utilizam imagens chocantes de crianças, por exemplo, com a finalidade de angariar fundos. Admiro a juventude actual pelo facto de terem maior massa crítica relativamente à minha geração. Condeno também os políticos porque funcionam em função de interesses pessoais e não dos interesses do país. Ainda hoje me interrogo se há alguém que queira chegar ao poder por amor do seu povo…




Como artista, estou em standby. O bichinho continua cá, dormente. Mas gostaria de deixar mais um impacto enquanto artista plástico, não para ser reconhecido mas para partilhar o que sinto e o que sou enquanto artista plástico.


MR: Para si, o que representa pintar?


ML: Para mim, pintar é entrar num transe espiritual, numa inspiração total onde o tempo deixa de existir. Pintar é o extremo de estar no presente. Pintar tem várias etapas: desde idealizar uma obra até à sua criação, realização em termos técnicos e à sua conclusão. Todas essas etapas são uma provocação para mim.

MR: E pinta para si ou pinta para os outros?


ML: Gosto de ser honesto: infelizmente não pinto exclusivamente para mim. Parcialmente, pinto para mim porque gosto do que faço. Agora ter a ousadia – já a tive algumas vezes – de explorar as minhas vertentes mais secretas, nem sempre pode acontecer. Assim tenho temáticas mais regionais que me apaixonam e nasceram da necessidade de pintar para os outros. Depois algumas das obras que fiz, sobretudo as mais abstractas, são essencialmente a expressão duma visão secreta e misteriosa, só minha.

Tenho três ou quatro edições sobre o povo transmontano, a cidade de Valpaços, a cidade milenar de Chaves, postais flavienses, que preservaram o nosso passado milenar e o apresentam aos mais jovens. Para mim, é importante conhecermos as nossas raízes para entendermos o nosso presente.


MR: Considera-se um ser criativo? Como se desenvolve esse processo criativo?


ML: Sim considero-me um ser criativo. Se fizer uma auto-análise sobre a minha criatividade, posso referir que projecto mentalmente uma ideia que me surge como imagem visual; por vezes defronto-me com problemas na realização dessa mesma ideia, mas quando passo à execução, consigo ultrapassar todas essa dúvidas. Consigo criar a imagem na mente e isso é interessantíssimo. Com os jovens que frequentam as aulas de orientação faço frequentemente esse exercício de levar a imagem para a mente através de uma focagem interior. Portanto a criatividade é um bocadinho isso, jogar com a mente. Um dos grandes problemas para mim, enquanto artista plástico, é que tenho uma família para sustentar e não tenho outro recurso para além da minha criatividade. Trabalho com as mãos e com a arte, ainda posso dizer isso; ou na restauração, ou na arte sacra; por isso considero-me um privilegiado pelo facto de não ter, por exemplo, horários a cumprir. Em termos de responsabilidade de horário, este é muito flexível. E em arte essa flexibilidade é essencial pois quando se começa um trabalho é necessário sair dele. Esse processo está intimamente ligado ao processo de inspiração; esta por vezes desaparece e quando isso acontece torna-se difícil. Se não estiver bem em termos psicológicos a inspiração desaparece. Depois há a necessidade de abandonar o trabalho e voltar a retomá-lo mais tarde… depois, quando o retomamos, já vimos tudo doutra forma. Esse é o grande desafio para o artista. Há ainda o facto de lutarmos com a angústia que é saber quando a obra está terminada.

Mas há algo que ultrapassa tudo isso, independentemente do estilo: a espontaneidade. A espontaneidade, a intuição é o aspecto mais natural que pode existir em termos artísticos. A maior luta de grandes artistas é simplificarem as suas ideias ao ponto de as poderem executar. Por norma faço projectos antes de executar uma obra.


MR: Pensa que existe uma identidade transmontana? De que forma ela se expressa na sua obra?


ML: Poderei dizer que sim. Enquanto artista plástico, penso que há artistas plásticos regionais que se têm focado na temática transmontana. Eu mesmo passei por esse processo, também trouxe para a minha pintura imagens e representações do real que convocam para essa identidade, que trazem recordações da minha infância. Poderei dizer que de facto haveria muito mais trabalho no sentido de dar a conhecer as vivências do povo transmontano, as suas actividades e o seu passado. No entanto, somos privilegiados como povo transmontano, pois temos uma qualidade de vida excepcional; lamentavelmente muitas pessoas não valorizam essa qualidade de vida em Chaves. Mas há uma identidade que deveríamos preservar mantendo aquilo que somos e como somos e não alterar tanto essa identidade. Por exemplo, se trocamos o V pelo B trocamos; se dizemos asneiras, dizemos; somos mais rudes? Sim, mas somos nós.

Se essa identidade se reflecte na minha pintura? Nunca me expressei em termos de revolta, isto é, na minha obra nunca pretendi atingir ou enaltecer determinadas facetas inerentes a Trás-os-Montes. Mas em alguns trabalhos, valorizei actividades aqui feitas no passado integrando-as e trazendo-as para o presente. Nomeadamente, da vida rural do povo transmontano; por exemplo, os bois foi um aspecto que me fascinou. Durante séculos, os bois e as alfaias que acompanham as lides agrícolas com os bois foram a sobrevivência do povo transmontano. Hoje em dia, ninguém liga a isso, mas faz parte do imaginário transmontano. Através dos registos que fiz dessa vida rural ficou a memória desse modo vida do povo transmontano.




MR: Enquanto pessoa de cultura, que vive na era da globalização, de que forma ser transmontano o condiciona ou integra?


ML: Não me condiciona de nenhuma maneira. Penso que a vida é de tal maneira rápida que a informação passa de forma transversal. Ao expor em outras cidades do país, nunca senti qualquer tipo de segregação pelo facto de ser transmontano. O que tem de falar por si, não é o artista mas a obra. E nesse aspecto não senti qualquer tipo de rejeição. Depois ainda há um certo interesse por obras de temática rural, quer paisagens quer o transmontano em si. Somos uma província de Portugal e através da pintura é possível levar lá fora, essa região que os outros desconhecem. Se não vou mais além relativamente à divulgação da identidade transmontana é porque não me apresentam desafios com apoios claros e porque os condicionalismos são enormes. Se mos apresentassem era capaz de me envolver.


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