O Som Galante de Miranda #7


Por: Marta da Costa



É inevitável falar de Galandum Galundaina e mencionar Miranda do Douro. Ao longo dos últimos 20 anos a banda tornou-se “embaixadora” da cultura e tradição mirandesa, fruto do seu trabalho de recolha e investigação do legado musical da região do nordeste transmontano.



Quatrada é o seu álbum mais recente. A INDIEROR esteve à conversa com a banda sobre o seu trabalho, percurso e sobre a sua identidade transmontana.

O que caracteriza um "galante" (galandum) e "boémio" (galundaina) ?
Um “Galandum” e um “Galundaina” é alguém que olha para todo o ambiente da cultura tradicional com muita atenção e vontade de aprender com o passado ao mesmo tempo que reinterpreta, recria e valoriza todo esse património dando‐lhe um contexto atual. Tudo isto feito sempre num ambiente descontraído e divertido.

Estão a caminho dos 20 anos de carreira. São muitos anos. Como é que tudo começou e como foi a evolução ao longo deste tempo? Cada um de nós fez o seu precurso musical em diferente grupos e diferentes estilos, estudou em diferentes escolas e trouxe de casa diferentes aprendizagens do ambiente tradicional.

O grupo começou como começam normalmente todos os grupos: ensaios, animações em pequenos eventos.

Todas as vivências musicais que cada um teve e a nossa visão de que a música tradicional faz sentido nos dias de hoje, contribuiu para o som que apresentamos e para que o público se identificasse com a nossa visão de música tradicional que não tem que ser apenas uma repetição do que faziam as pessoas que nos transmitiram esta cultura.

Como caracterizam o álbum “Quatrada” e o que traz de novo ao percurso de Galandum Galundaina? Cada álbum de Galandum trouxe sempre algo de novo perante a música que trabalhamos e também sobre a forma como a fazemos. Um dos objectivos de sempre foi retirar a música (Mirandesa) do seu contexto natural e mudar‐lhe a forma, transformá‐la e explorar nela novas sonoridades. Neste álbum isso acontece, mais do que em qualquer um dos anteriores.

Sentem que este novo trabalho é o mais maduro de todos até aqui? “Novo” é, normalmente, o contrário de “maduro”. No entanto podemos dizer que sim. Há neste trabalho bastantes apontamentos que são precisamente sinais do amadurecimento do trabalho do grupo.

O disco traz uma sonoridade mais densa. Há também um especial destaque da gaita‐de‐foles. A que se deveu esta opção?
A gaita de foles Mirandesa é e será sempre uma constante na vida de Galandum Galundaina. É o instrumento que transporta, por si só, a identidade das terras de Miranda. Paralelamente a isto é um instrumento em constante estudo e evolução, permitindo‐nos obter dele possibilidades infinitas. Trabalhamos para que assim continue a ser.

Nota‐se neste álbum um cuidado acrescido na produção e na gravação dos temas, especialmente nas vozes e nas percussões. Foi uma preocupação vossa? Tinham como objectivo realçar a sonoridade que já caracteriza os Galandum Galundaina?
Vinte anos são já anos suficientes para sermos cuidadosos com o que fazemos. Mau era se acontecesse o contrário! É muito bom perceber que as pessoas identificam a nossa identidade sonora. As vozes e as percussões são, sem dúvida, duas das principais características da nossa sonoridade. Vinte anos são também já anos suficientes para sabermos que temos de realçar aquilo que fazemos bem.

Têm convidados de peso neste trabalho, como o Zeca Medeiros ou a Manuela Azevedo. Como se proporcionaram estas colaborações?
O Zeca Medeiros é já amigo de longa data. Não tivemos dúvidas quando pensámos quem poderia dar voz às palavras de Amadeu Ferreira, no tema “Siga a Malta”. A Manuela Azevedo e o Hélder Gonçalves também já eram nossos amigos. São dois músicos incríveis, que todos apreciamos muito, pois somos todos fãs dos Clã. Convidámos cada um deles. E eles disseram que sim.



Foram percursores de uma espécie de movimento que mostrou preocupação em recuperar património de Trás‐Os‐Montes. A vosso ver, o que caracteriza a identidade transmontana e de que forma ela se manifesta no vosso trabalho? Há uma identidade transmontana, sim. Desde a forma de falar, cantar, hábitos alimentares, etc. Antes de mais é importante conhecê‐los muito bem, valorizá‐los e enquadrá‐los na cultura portuguesa, europeia e mundial.
No que toca à música, é isso que fazemos. Assumimos completamente a nossa cultura, orgulhamo‐nos dela, mas nunca foi nossa intenção que ela ficasse cristalizada no tempo dos nossos avós.

A própria palavra “tradição “ traz com ela o significado de acrescentar algo ao que foi anteriormente aprendido.



Nós crescemos no ambiente transmontano Mirandês e mais tarde saímos para estudar. A nossa visão interna e externa das tradições transmontanas contribuíram para um resultado final consistente e de qualidade sem nos afastarmos da essência do que aprendemos em casa e na comunidade.

Com um interesse pela música fomentado de perto pela família, como projetam o futuro da música tradicional tendo em conta o interesse manifestado pelos jovens de agora?
A música tradicional e o próprio conceito de tradição residem nisso mesmo, nessa perspectiva duvidosa sobre o que será o futuro. Diz a tradição que “o futuro a Deus pertence”. Nós achamos que cada geração tem o seu futuro. As preocupações e os interesses são diferentes de geração para geração.



A música tradicional vive de quem acredita nela. E enquanto houver quem acredite, ela existirá.



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